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Dallagnol quer que o Brasil resolva um problema dele

Transmissão do pronunciamento de Deltan Dallagnol após cassação pelo TSE gera debate. Seu discurso, visto como narcisista e polêmico, reflete tensões na política brasileira e levanta questões sobre ética e moralidade na vida pública.
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Lab Jornalismo 2050®.
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Lab Journalism 2050®.
Data da publicação original:
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17/5/2023
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Acerta o noticiário de transmitir ao vivo o pronunciamento do ex-procurador e ex-deputado federal pelo Paraná, Deltan Dallagnol, nesta quarta-feira (17), mas acerta com a ressalva de que pode haver algo sádico em rede nacional. A decisão da perda de mandato saiu ontem, e ele se defendeu hoje. Como é de conhecimento geral, ele foi cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o que divide opiniões de pessoas sérias. Há quem considere que foi um erro jurídico, e quem defenda a interpretação e o voto do ministro Benedito Gonçalves. Neste texto, essa discussão está superada.

Eu tinha acabado de chegar de um compromisso na universidade quando liguei a televisão e dei de cara com Dallagnol junto a um grupo no mínimo intrigante, explicando aos brasileiros que a maldade tinha vencido no Brasil porque ele perdeu na Justiça. Um narcisismo flagrante, uma megalomania, um fundamentalismo protestante, um pouco de cada coisa? Ou, ao contrário, a ausência de qualquer coisa?

Com muita franqueza, eu estava esperando por uma fala marcante, mas não imaginava quanto marcante ela realmente seria. É um vexame histórico para se usar nas aulas de psicanálise e de comunicação política. Se pode funcionar a ponto de devolver a ele um prestígio ridiculamente superfaturado? Pode. Especialmente do povo do meu estado posso esperar que o tornem prefeito da capital (mesmo sem qualquer experiência dele em governar, porém suficientemente branco e rancoroso).

Não tenho por hábito comemorar trapalhadas da vida pública. Fico com vergonha quando nossas autoridades são investigadas ou presas, ou qualquer coisa dessa categoria. Então, não há o que celebrar na cassação desse senhor, tanto quanto não há, pelo menos da minha parte, qualquer lamento. Talvez tenham esquecido de avisar a ele como as coisas funcionam na política. Ou teriam esquecido subitamente todos os políticos da maneira como Dallagnol a eles denominava e desprezava? O que que esse cara estava esperando? Será que foi com essa ingenuidade que ele chefiou a Lava Jato?

Do ponto de vista de alguns amigos que não somente apoiam Dallagnol como também tem pouco ou nenhum apreço pelo Partido dos Trabalhadores ou Lula, que em parte combatem veementemente esses dois últimos, a prática moral também se dá quando é preciso encarcerar (ou matar) um indivíduo perigoso. A contar pela fala do herói, hoje, é absolutamente moral afastá-lo da vida pública enquanto for incapaz de compreender que a política é uma experiência comunitária, e que o que importa é o que o outro pensa. Que é assim que se constrói.

Arrogar-se herói

O discurso desse homem não me ofende, mas me preocupa em termos civilizatórios. Mais uma vez um “irmão”, um igual, um “bostinha que nem nós”, esbraveja: “eu vou salvar vocês”. Meu senhor, eu e o pessoal que eu conheço não vos pedimos nada. O senhor se comparou a José do Egito (uma salva de palmas à novela da Record!), a Jesus. Sabe o que vos falta? Ler um pouco mais os Evangelhos. Tem alguma coisa que o senhor interpretou à Lava Jato no texto bíblico, se é que me entende.

Nas últimas semanas, tenho me inclinado às perspectivas psicológicas das escolhas de líderes. Em linhas gerais, aqueles que são eleitos para governar correm riscos enormes – o de serem assassinados, inclusive (m.q. facada do Bolsonaro). Tornar-se uma paixão da massa requer ofertar a essa massa proteção e assistência. Quando esses elementos se tornam escassos ou cessam, e aquela liderança não tem mais serventia (depois de juntar mais de 300 mil votos para um partido, por exemplo), então é linchado por quem o laureou. Nesse ponto, há uma conexão com Jesus mesmo, porque foi crucificado por quem o recebeu com ramos.

A mesma imprensa que noticiou Dallagnol como a salvação do país o expõe em um papel humilhante de criança chorante. “Mas isso só acontece comigo”, “por que não fazem isso com o Gilmar?”, “até o Beto Richa tem mandato”. Então atravessa para uma criticidade raivosa pela qual ele poderá livrar a todo o Brasil de um mal temido por ele.

Se tomamos por verdade que os indivíduos são responsáveis por seus caminhos, podemos nos perguntar, então, a pergunta da criança: “por que Beto Richa tem mandato e Dallagnol é cassado?”.

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ABNT
SGARBE, V.
Dallagnol quer que o Brasil resolva um problema dele
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Lab Jornalismo 2050.
Curitiba,
2024
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Disponível em:
https://www.jornalismo.digital/lab-jornalismo-2050/gestores-atentos-a-realidade-das-equipes-tem-mais-sucesso
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Avanço da IA desafia o trabalho humano e impõe nova curva de aprendizagem

Avanço da IA desafia o trabalho humano e impõe nova curva de aprendizagem

A discussão relacionada aos avanços da inteligência artificial, especialmente quanto aos riscos de substituição do trabalho humano por robôs e ao potencial criativo que pode ofender quem se considera uma espécie de coroa da criação, parece afetada pelo fenômeno da polarização.

Reconheço que esta análise é simplista no que diz respeito aos fatos. De um lado, percebe-se a inquietação causada por uma nova corrida lunar empreendida pelo mercado em busca de prestígio e futura rentabilidade, o que inevitavelmente influencia a pesquisa acadêmica. Se antes a pesquisa era feita com softwares gratuitos, hoje torna-se cada vez mais dependente de recursos pagos. Do outro lado, em uma postura que ignora deliberadamente a cibernética, parte da comunidade intelectual oferece resistência aos avanços do desenvolvimento comunicacional.

Nesse contexto, quem deseja acompanhar efetivamente o progresso tecnológico dos modelos de linguagem como GPT e Gemini precisa encarar uma curva de aprendizagem que certamente tirará seu sossego. Não será surpresa se, em breve, cada indivíduo passar a operar seu próprio modelo linguístico. Serviços como o Vertex AI do Google já possibilitam a criação de robôs altamente personalizados para as mais diversas tarefas.

Contudo, considerando especificamente a língua portuguesa, percebe-se que modelos de linguagem como os mencionados têm pouca habilidade para captar subjetividades e nuances linguísticas. Afinal, se nem mesmo um ser humano é capaz de compreender plenamente o que usuários publicam na internet, que dirá o pobre robô.

Recentemente, enquanto passava de carro pela rua Brigadeiro Franco, em Curitiba, vi cinco funcionários da prefeitura cortando a grama que ladeia o passeio. Um deles segurava o cortador mecânico, enquanto os demais serviam como postes móveis, sustentando uma tela ao redor do jardineiro. Pensei, naquele instante, nos últimos 300 mil anos de evolução humana sintetizados na escassez de suportes móveis, reduzindo a extraordinária máquina corporal humana a um mero suporte de telas.

É preciso reconhecer, portanto, que certas atividades de rotina — como resumos e geração de textos a partir de vídeos ou áudios — devem, obrigatoriamente, utilizar soluções de inteligência artificial. Caso contrário, desperdiça-se a inteligência corporal e emocional de seres humanos em trabalhos nada recompensadores. Somente alguém que já teve de decupar horas de programas de televisão ou rádio teria autoridade para desprezar a ajuda da IA nessas tarefas, embora isso revelasse inclinação ao martírio.

Há uma última reflexão que me parece importante e diz respeito a uma frequente distorção técnica. Não é correto generalizar toda a inteligência artificial tomando como referência exclusiva um modelo de linguagem específico — especialmente suas versões gratuitas. Usar o ChatGPT não é o mesmo que utilizar diretamente o modelo GPT. Da mesma forma, usar o chat do Gemini difere de explorar todas as potencialidades do modelo de linguagem Gemini. A extração máxima do potencial desses sistemas exige uma execução personalizada, sendo justamente esse um dos trabalhos que desenvolvemos no Lab Digital 2050.

Inteligência Artificial Geral pode causar conflitos entre EUA e China
Blog de repórter

Inteligência Artificial Geral pode causar conflitos entre EUA e China

Um ex-assessor da Casa Branca alertou sobre os potenciais perigos do desenvolvimento da Inteligência Artificial Geral (AGI) e o risco de uma corrida armamentista com a China. Segundo ele, a busca pelo controle da AGI pode levar a conflitos internacionais. Especialistas temem que a China possa reagir agressivamente a uma tentativa dos EUA de monopolizar a tecnologia.

As informações foram publicadas pelo UOL em 9 de março de 2025, no artigo A Inteligência Artificial Geral está chegando? É difícil ter certeza. O artigo cita um documento publicado por especialistas, incluindo o ex-assessor, detalhando as preocupações com a corrida armamentista em IA.

A Inteligência Artificial Geral difere das IAs atuais por sua capacidade de realizar qualquer tarefa intelectual humana. Esse avanço tecnológico representa um potencial salto no desenvolvimento de diversas áreas, mas também traz preocupações sobre seu uso indevido, especialmente em cenários de conflito.

O documento sugere que uma tentativa dos EUA de controlar exclusivamente a AGI poderia provocar uma resposta agressiva da China, como um ataque cibernético em larga escala. Os especialistas argumentam que a competição pela AGI pode desestabilizar as relações internacionais e aumentar a probabilidade de conflitos.

A preocupação reside na possibilidade da AGI ser utilizada para o desenvolvimento de armas autônomas e ciberataques sofisticados, o que poderia escalar rapidamente para um confronto direto. Os especialistas defendem a cooperação internacional para garantir o desenvolvimento seguro e ético da AGI.

Gestores mais velhos em restaurantes são mais avessos ao risco, aponta estudo
Prática profissional

Gestores mais velhos em restaurantes são mais avessos ao risco, aponta estudo

Um estudo recente publicado na Revista Turismo, Visão e Ação (RTVA) revelou que gestores mais velhos e com maior tempo de serviço em restaurantes tendem a ser mais avessos ao risco em suas decisões corporativas. A pesquisa, conduzida por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), analisou dados de mais de 2 mil restaurantes na Europa entre 2014 e 2016.

A pesquisa, intitulada "Influência das Características da Equipe de Gestão sobre a Tomada de Decisão de Risco: Evidências do Ramo de Restaurantes", utilizou a base de dados Amadeus e aplicou o método dos mínimos quadrados para analisar a relação entre as características dos gestores – idade, tempo de serviço, gênero e tamanho da equipe – e o nível de alavancagem financeira das empresas, usado como indicador de tomada de risco.

Os resultados mostraram uma correlação negativa significativa entre a idade e o tempo de serviço dos gestores e a propensão ao risco. Gestores mais velhos e aqueles que ocupavam o mesmo cargo há mais tempo demonstraram preferência por decisões mais conservadoras, optando por manter o status quo em vez de adotar estratégias inovadoras ou arriscadas.

Contrariando algumas expectativas, o estudo não encontrou relação significativa entre o tamanho da equipe de gestão ou a participação feminina e a tomada de risco. Embora pesquisas anteriores tenham sugerido uma possível influência desses fatores, os dados analisados não confirmaram essa hipótese no contexto específico da indústria de restaurantes.

Os autores sugerem que a aversão ao risco demonstrada por gestores mais experientes pode estar relacionada à priorização da estabilidade e da reputação construída ao longo da carreira. A familiaridade com o setor e a preocupação em preservar os ganhos obtidos podem levá-los a evitar decisões que representem potenciais ameaças ao negócio.

Implicações para o setor

As descobertas do estudo têm implicações importantes para a gestão de restaurantes. A pesquisa sugere que a composição da equipe gestora pode influenciar diretamente a estratégia e o desempenho das empresas. Restaurantes com gestores mais jovens podem estar mais dispostos a inovar e assumir riscos, enquanto aqueles liderados por gestores mais experientes podem priorizar a estabilidade e a segurança financeira.

Próximos passos

Os pesquisadores destacam a necessidade de estudos adicionais para aprofundar a compreensão da relação entre as características dos gestores e a tomada de decisão em restaurantes. A investigação de fatores psicológicos, como a tolerância ao risco individual, e a análise de dados de um período mais amplo poderiam enriquecer a discussão e fornecer insights mais precisos para o setor.

Médiuns sem escuta e espíritos subempregados mantêm pateta
Cartas pessoais

Médiuns sem escuta e espíritos subempregados mantêm pateta

Médiuns sem escuta e espíritos subempregados mantêm pateta

Falho repetidamente. Agora mesmo, falhei no propósito de ir para a cama às 21h30. Por alguma razão parecida com “puta que pariu! Eu não durmo mais que quatro horas mesmo”, entreguei-me à deriva da escuridão.

Temo que uma autoridade severa chore para me disciplinar: “não é hora de ir ao banheiro”. Atividades em geral. Os chats da madrugada chegaram ao fim, cobertos de areia, desintegrados por um choque, incinerados. Dá aquele dózinho. Toda aquela literatura caótica que me trouxe tantos amigos enlouqueceu, e fala sozinha nos posts do Mark.

O livro que Maku me enviou é bem escrito, claro, mas é lido em supercâmera lenta. A personagem começa a se revelar a partir da vontade de morrer. Não se encontra gente honesta assim com facilidade. Como torradas com cream cheese e geleia de frutas vermelhas. Foi a caixa, o pote. Troquei por nata. Nata não tem erro.

Esse fractal, então: a morte e a vida se explicando pouco, falando rápido e alto, tal qual turistas brasileiras de batom vermelho e bolsas tiracolo encantando o mundo com uma malcriação sorridente. Minha análise, a seguir, é sofisticada.

Há desafinações da vida que são, é preciso repetir, forças da natureza. Desafinações, neste texto, são metaforicamente Meryl Streep interpretando Florence Foster Jenkins no cinema, ou qualquer instrumento que deveria vibrar um sublime “ooowooowooow”, mas acaba por materializar a Vó Jephinha se aventurando fora do tom, sem melodia.

Gosto da água porque ela não perde tempo com pedra ou muro; desvia, aceita um bom túnel, mas, se precisar, arrebenta com tudo. A água toma para si terrenos que nem vocação para piscina tinham, repousando ali uma inundação calamitosa.

As regiões do mundo que estão para desaparecer precisam de suporte intelectual para resolver questões de propriedade, repatriação e o retorno de burocracias previsíveis. Não se pode erguer uma ilha na parte de cima de um sobrado; nem mesmo catedrais japonesas de drenagem fazem diferença no oceano. Perigos assim equiparam nossa inteligência a nada. A natureza é uma das três fontes notáveis de desprazer na psicanálise freudiana.

“E de todo esse instrumento desafinado eu nunca fui aprendiz.” Há esse verso numa letra de Gabrielle Seraine. E na música dela também, quando se canta “[desa]finado”, quando se canta exatamente “finado”, a harmonia se despedaça por um instante, como uma criança filha da puta assoprando uma flauta de plástico. É o vale antes do topo, o “dark before the dawn”.

Espírito de Flusser

Quando o indivíduo desafinado — o “médium” (de mídia, não de falar com mortos) — emite ruídos, a comunicação fica mais nítida. Vamos usar a palavra “comunicação” como um sinônimo futuro para “espírito”, uma belíssima concepção de Flusser.

Nas religiões que lidam com “espíritos”, note-se a similaridade na condução das intenções: portas são abertas e fechadas, pessoas são estimuladas a movimentar a psique, e até mesmo pedidos banais que não passam de burocracias previsíveis. Pede-se, promete-se, agradece-se, expulsa-se, infunde-se — tudo pela conjuração de palavras humanas e inteligíveis.

Aceitar a Jesus, renunciar à maçonaria, declarar a vitória, tomar posse da bênção, fazer macumba para a Dona Ida morrer (criança é muito inventiva) — tudo isso requer falar. Do feitiço do Pai Grego à corrente de oração Sete Batidas na Porta da Graça do pessoal da Janine. Comunicação. Fala. Escuta.

Em alguns cultos evangélicos, diante de uma comunicação insatisfatória, é provável que alguém passe a fazer o papel de endemoniado em favor do grupo. A missa católica tem tantos recursos de comunicação que uma parte do sermão acaba guardada.

Os “espíritos” são assunto antigo, primitivo. Foi o jeito de manter os mortos por perto. Depois, esses mortos viraram demônios. A história registra em termos antropológicos; tenho aqui um original do Frazer que ganhei de Luca. Meu ponto é: se os espíritos “nascem” de mortos domésticos, é natural que, antes de se comprometerem com eventos fora de casa — falando em reuniões espíritas, fazendo vento — estejam disponíveis no inventário da família.

Poderosos porém patetas

Há poder na psicanálise, na Análise Transacional, nos Narcóticos Anônimos. Mas esses empreendimentos precisam de muito mais tempo, especialização e oportunidades para erros do que se pode alcançar em família, quando uma família está disponível. Família, claro, entenda-se amplamente.

Uma família que tenha compreendido a perenidade do amor, que tenha deixado as lutas por reconhecimento para práticas comunitárias, tem mais chances de sucesso na invocação de espíritos poderosos.

O poderoso espírito do criador, para aqueles que creem assim, tem de fazer alguma diferença. Deus está morto? Não se engane. Escrevo sobre comunicação. Sobre conjurar, invocar, boa comunicação. Na última linha do ruído, “tomar posse da bênção”, como bem observado por Nina.

Em português, “espíritos” são comunicação pelo menos desde 1976, quando Cartola compôs: “De cada morto herdará só o cinismo”. A partir do meu tensionamento, Flusser nos oferece uma simplificação: é muita “batalha espiritual” para pouco “conversar igual gente”.

Voltemos. A relação do desafinado, do finado — propriamente a palavra em questão, ruído, essa coisa que perturba o sono — com a nitidez não é somente poesia. A física e a engenharia de computação que sustentam a geração de imagens procedem da utilização de duas etapas bem básicas que não prejudicam uma à outra.

Para melhorar a pele de alguém em uma fotografia, é preciso primeiro o carinho do embaçar, como um hipermetrope sem óculos. Depois, tem de adicionar ruído, algo parecido com a TV antiga sem sinal. E então se pode ver melhor.

Assim, minha sugestão para o grupo — risos — é uma apreciação do ruído, junto a uma observação atenta dos conteúdos das perturbações. Quando acabar essa pilha, com mais nitidez, sejamos arrogantes em nossas pretenções de dignidade,

Só que eu ia escrever sobre algo completamente diferente. Vou fazer outro post.

Suítes no jornalismo se relacionam com queda da confiança
Prática profissional

Sobre a relação das suítes no jornalismo e da queda da confiança nas notícias

Suítes no jornalismo se relacionam com queda da confiança

Uma suíte jornalística é a continuidade de uma notícia em novas matérias que atualizam as anteriores. Algo como "Duas pessoas ficaram feridas em um acidente"; depois, "Homens que ficaram feridos em acidente fazem cirurgia"; ainda, "Homens que se feriram em acidente recebem alta"; e, ainda, "Empresa responsável por acidente com feridos é multada". Todas essas manchetes fantasiosas têm a ver com um mesmo fato originário.

Não é todo tipo de notícia que merece uma continuidade. Alguns acontecimentos e realizações têm fôlego para uma única aparição. Seja como for, para estar uma ou várias vezes no jornal, a "coisa" tem de ser verdadeiramente uma notícia, o que, basicamente, significa que não é publicidade ou propaganda – mas isso é assunto para outra oportunidade.

Em termos de formato, uma suíte não é nada diferente de uma notícia nova. Até porque só se tem uma continuação quando um novo fato é revelado. Mas é no estilo, pelo que notei, que a marmita das suítes azedou – no sentido de por que perderam o fôlego nos últimos anos.

Vamos tomar por exemplo uma investigação policial. O jornalismo de boa e de má qualidade têm interesse em pautas criminais. Porém, nos dois tipos de qualidade fica um sabor de vício, quem sabe originário do prazer de se "furar" (quando um jornalista é o primeiro em noticiar algo). É uma pressa que mais atrapalha que ajuda: não raro, são apresentadas versões que colaboram com uma história que se quer contar, que pode não ter nada a ver com o que aconteceu de verdade.

Contar toda a história

No caso de Homem armado ameaça jovem negro em SP, e policial se recusa a agir por estar 'de folga'; veja vídeo, por exemplo. É uma história que rapidamente conquistou a atenção dos jornalistas e do público, porque um vídeo comprova não somente a omissão de uma policial como também a agressão dela contra um jovem. Aqui, não está em discussão se a policial acertou ou errou. Ao mesmo tempo, faltou, pela ausência de suítes, a ampliação do contexto do vídeo de três minutos.

Uma história contada por sua característica intrigante pode render minutos de audiência, e um aumento de visitantes no site. Porém, sem continuidade, é um tiro no pé. Em 2023, o Digital News Report do Reuters Institute identificou que a confiança dos brasileiros no jornalismo é de 43%, uma diminuição de 19 pontos percentuais desde 2015. Estatisticamente, a tendência de queda pode marcar 41% em 2024. Nesse cenário, todos os recursos de inteligência e de integridade são bem-vindos para melhorar esses números.

As suítes são uma oportunidade para garantir ao público que as escolhas de pauta representam, ainda que contramajoritariamente, o compromisso do veículo com uma história contada do começo ao fim, com todas as nuances. Para isso, a linha editorial como um todo, e mais ainda os repórteres e editores, têm de encarar a atividade investigativa com o desprendimento de contar as coisas como elas são, e não como deveriam ser.

Ridículo e coragem são bem-vindos para ser quem se é
Cartas pessoais

Ridículo e coragem são bem-vindos para ser quem se é

Os ares de novidade que uma virada de ano traz parecem com os efeitos de uma renovação de votos. É, digamos, uma oportunidade. A título de analogia, uma cerimonia de bodas por si mesma é impotente para realizar mudanças no casal, no sentido de ampliações de confiança e de reciprocidade, e da consequente felicidade dessas ampliações. Uma cerimônia em si não é nada, mas a concentração da dupla para uma aquisição de consciência melhor é sim. Com o ano novo é muito parecido.

É completamente compreensível desprezar a contagem do tempo pelo calendário comercial, quando o que se intenciona é uma vida livre e frutífera. Uma história pessoal não poderia estar (mas frequentemente está) sujeita à mecânica do trabalho exaustivo: férias, recessos, e feriados. Coisas dessa categoria são muito bem-vindas, é claro, mas correspondem quase sempre à lógica da indústria e do consumo. Daí entra aquele provérbio: “quanto mais você tem, menos você é”.

Nesses contextos, comprar uma roupa nova para o réveillon pode ser uma atitude ambivalente. Em uma mão está a obrigação da compra, da competição que se estabelece com os outros convidados da festa. Na outra está uma legítima disposição para o autocuidado, e para que a parte externa corresponda à novidade do eu mais íntimo.

Para mudar de ano dentro de si é requerido um certo ridículo. Isto é, cruzar a linha do ridículo. Em vez de uma fantasia, vestir-se com o que realmente corresponde ao que se é. Não é fantasiar-se de ser, é ser em essência. Algo interessante é o fato de que aquilo que se deseja ser no futuro somente pode ser verdade se o for agora mesmo. Essa é uma ideia muito básica da filosofia. É também verdade que se algo deixou de ser é porque jamais o foi.

O que chamei de ridículo anteriormente poderia ser também chamado de coragem. Calçar os próprios sapatos, abrir o peito: pensar, falar, agir, e festejar a partir do que se é verdadeiramente, que sempre o foi, e será para sempre. Mas a coragem está menos no aspecto comportamental, que até mesmo um ator canastrão poderia interpretar com toda covardia, e muito mais em uma permissão para que o espírito individual comunique ao mundo o que veio fazer.