Comunicação política

Descubra como o Lab Digital 2050 revoluciona a comunicação política com estratégias inovadoras, gestão de crises eficiente, e um compromisso inabalável com a ética e transparência, moldando o futuro da comunicação política.
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Introdução à comunicação política moderna

No cenário político atual, a comunicação eficiente transcende a mera vantagem - torna-se uma necessidade imperativa. O Lab Digital 2050 se destaca nesse contexto, oferecendo um serviço de comunicação política especializado. Nosso foco reside em desenvolver estratégias de comunicação personalizadas e abrangentes para políticos, partidos e campanhas. Reconhecemos a unicidade de cada campanha política, propondo abordagens que respeitam o contexto social e político, alinhadas aos valores e objetivos dos nossos clientes.

Estratégias integradas em comunicação digital e tradicional

A comunicação política eficaz de hoje requer uma fusão entre o digital e o tradicional. Neste aspecto, a equipe do Lab Digital 2050 une esses dois universos, assegurando uma presença marcante e consistente para nossos clientes. Nossa gama de serviços inclui desde a gestão de redes sociais e produção de conteúdo audiovisual até práticas de relações públicas e marketing tradicional. A chave do nosso sucesso reside no uso estratégico de dados e análises, otimizando o alcance e impacto das mensagens políticas junto ao público-alvo.

Excelência em gerenciamento de crises

Em um ambiente político dinâmico, a habilidade de gerenciar crises de forma ágil e eficiente é fundamental. O Lab Digital 2050 se destaca na preparação e resposta a crises, equipando nossos clientes para enfrentar desafios com confiança e controle. Oferecemos planos de contingência, treinamentos e simulações para assegurar que políticos e suas equipes respondam a situações adversas com calma e assertividade. Nosso objetivo é manter a integridade e credibilidade dos clientes, minimizando impactos negativos de eventuais crises.

Compromisso com transparência e ética

A ética e transparência são pilares fundamentais no Lab Digital 2050. Nosso compromisso com a honestidade e integridade em todas as estratégias de comunicação não só fortalece a confiança do público, mas também fomenta um ambiente político mais saudável e responsável. Trabalhamos lado a lado com nossos clientes para assegurar que todas as mensagens e campanhas reflitam seus verdadeiros valores e visões, aderindo rigorosamente aos princípios de veracidade e respeito. Com o Lab Digital 2050, os clientes podem contar com um serviço que não só alcança resultados expressivos, mas também eleva o padrão da comunicação política ética e eficiente.

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Médiuns sem escuta e espíritos subempregados mantêm pateta
Cartas pessoais
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Médiuns sem escuta e espíritos subempregados mantêm pateta

Médiuns sem escuta e espíritos subempregados mantêm pateta

Falho repetidamente. Agora mesmo, falhei no propósito de ir para a cama às 21h30. Por alguma razão parecida com “puta que pariu! Eu não durmo mais que quatro horas mesmo”, entreguei-me à deriva da escuridão.

Temo que uma autoridade severa chore para me disciplinar: “não é hora de ir ao banheiro”. Atividades em geral. Os chats da madrugada chegaram ao fim, cobertos de areia, desintegrados por um choque, incinerados. Dá aquele dózinho. Toda aquela literatura caótica que me trouxe tantos amigos enlouqueceu, e fala sozinha nos posts do Mark.

O livro que Maku me enviou é bem escrito, claro, mas é lido em supercâmera lenta. A personagem começa a se revelar a partir da vontade de morrer. Não se encontra gente honesta assim com facilidade. Como torradas com cream cheese e geleia de frutas vermelhas. Foi a caixa, o pote. Troquei por nata. Nata não tem erro.

Esse fractal, então: a morte e a vida se explicando pouco, falando rápido e alto, tal qual turistas brasileiras de batom vermelho e bolsas tiracolo encantando o mundo com uma malcriação sorridente. Minha análise, a seguir, é sofisticada.

Há desafinações da vida que são, é preciso repetir, forças da natureza. Desafinações, neste texto, são metaforicamente Meryl Streep interpretando Florence Foster Jenkins no cinema, ou qualquer instrumento que deveria vibrar um sublime “ooowooowooow”, mas acaba por materializar a Vó Jephinha se aventurando fora do tom, sem melodia.

Gosto da água porque ela não perde tempo com pedra ou muro; desvia, aceita um bom túnel, mas, se precisar, arrebenta com tudo. A água toma para si terrenos que nem vocação para piscina tinham, repousando ali uma inundação calamitosa.

As regiões do mundo que estão para desaparecer precisam de suporte intelectual para resolver questões de propriedade, repatriação e o retorno de burocracias previsíveis. Não se pode erguer uma ilha na parte de cima de um sobrado; nem mesmo catedrais japonesas de drenagem fazem diferença no oceano. Perigos assim equiparam nossa inteligência a nada. A natureza é uma das três fontes notáveis de desprazer na psicanálise freudiana.

“E de todo esse instrumento desafinado eu nunca fui aprendiz.” Há esse verso numa letra de Gabrielle Seraine. E na música dela também, quando se canta “[desa]finado”, quando se canta exatamente “finado”, a harmonia se despedaça por um instante, como uma criança filha da puta assoprando uma flauta de plástico. É o vale antes do topo, o “dark before the dawn”.

Espírito de Flusser

Quando o indivíduo desafinado — o “médium” (de mídia, não de falar com mortos) — emite ruídos, a comunicação fica mais nítida. Vamos usar a palavra “comunicação” como um sinônimo futuro para “espírito”, uma belíssima concepção de Flusser.

Nas religiões que lidam com “espíritos”, note-se a similaridade na condução das intenções: portas são abertas e fechadas, pessoas são estimuladas a movimentar a psique, e até mesmo pedidos banais que não passam de burocracias previsíveis. Pede-se, promete-se, agradece-se, expulsa-se, infunde-se — tudo pela conjuração de palavras humanas e inteligíveis.

Aceitar a Jesus, renunciar à maçonaria, declarar a vitória, tomar posse da bênção, fazer macumba para a Dona Ida morrer (criança é muito inventiva) — tudo isso requer falar. Do feitiço do Pai Grego à corrente de oração Sete Batidas na Porta da Graça do pessoal da Janine. Comunicação. Fala. Escuta.

Em alguns cultos evangélicos, diante de uma comunicação insatisfatória, é provável que alguém passe a fazer o papel de endemoniado em favor do grupo. A missa católica tem tantos recursos de comunicação que uma parte do sermão acaba guardada.

Os “espíritos” são assunto antigo, primitivo. Foi o jeito de manter os mortos por perto. Depois, esses mortos viraram demônios. A história registra em termos antropológicos; tenho aqui um original do Frazer que ganhei de Luca. Meu ponto é: se os espíritos “nascem” de mortos domésticos, é natural que, antes de se comprometerem com eventos fora de casa — falando em reuniões espíritas, fazendo vento — estejam disponíveis no inventário da família.

Poderosos porém patetas

Há poder na psicanálise, na Análise Transacional, nos Narcóticos Anônimos. Mas esses empreendimentos precisam de muito mais tempo, especialização e oportunidades para erros do que se pode alcançar em família, quando uma família está disponível. Família, claro, entenda-se amplamente.

Uma família que tenha compreendido a perenidade do amor, que tenha deixado as lutas por reconhecimento para práticas comunitárias, tem mais chances de sucesso na invocação de espíritos poderosos.

O poderoso espírito do criador, para aqueles que creem assim, tem de fazer alguma diferença. Deus está morto? Não se engane. Escrevo sobre comunicação. Sobre conjurar, invocar, boa comunicação. Na última linha do ruído, “tomar posse da bênção”, como bem observado por Nina.

Em português, “espíritos” são comunicação pelo menos desde 1976, quando Cartola compôs: “De cada morto herdará só o cinismo”. A partir do meu tensionamento, Flusser nos oferece uma simplificação: é muita “batalha espiritual” para pouco “conversar igual gente”.

Voltemos. A relação do desafinado, do finado — propriamente a palavra em questão, ruído, essa coisa que perturba o sono — com a nitidez não é somente poesia. A física e a engenharia de computação que sustentam a geração de imagens procedem da utilização de duas etapas bem básicas que não prejudicam uma à outra.

Para melhorar a pele de alguém em uma fotografia, é preciso primeiro o carinho do embaçar, como um hipermetrope sem óculos. Depois, tem de adicionar ruído, algo parecido com a TV antiga sem sinal. E então se pode ver melhor.

Assim, minha sugestão para o grupo — risos — é uma apreciação do ruído, junto a uma observação atenta dos conteúdos das perturbações. Quando acabar essa pilha, com mais nitidez, sejamos arrogantes em nossas pretenções de dignidade,

Só que eu ia escrever sobre algo completamente diferente. Vou fazer outro post.

Suítes no jornalismo se relacionam com queda da confiança
Prática profissional
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Sobre a relação das suítes no jornalismo e da queda da confiança nas notícias

Suítes no jornalismo se relacionam com queda da confiança

Uma suíte jornalística é a continuidade de uma notícia em novas matérias que atualizam as anteriores. Algo como "Duas pessoas ficaram feridas em um acidente"; depois, "Homens que ficaram feridos em acidente fazem cirurgia"; ainda, "Homens que se feriram em acidente recebem alta"; e, ainda, "Empresa responsável por acidente com feridos é multada". Todas essas manchetes fantasiosas têm a ver com um mesmo fato originário.

Não é todo tipo de notícia que merece uma continuidade. Alguns acontecimentos e realizações têm fôlego para uma única aparição. Seja como for, para estar uma ou várias vezes no jornal, a "coisa" tem de ser verdadeiramente uma notícia, o que, basicamente, significa que não é publicidade ou propaganda – mas isso é assunto para outra oportunidade.

Em termos de formato, uma suíte não é nada diferente de uma notícia nova. Até porque só se tem uma continuação quando um novo fato é revelado. Mas é no estilo, pelo que notei, que a marmita das suítes azedou – no sentido de por que perderam o fôlego nos últimos anos.

Vamos tomar por exemplo uma investigação policial. O jornalismo de boa e de má qualidade têm interesse em pautas criminais. Porém, nos dois tipos de qualidade fica um sabor de vício, quem sabe originário do prazer de se "furar" (quando um jornalista é o primeiro em noticiar algo). É uma pressa que mais atrapalha que ajuda: não raro, são apresentadas versões que colaboram com uma história que se quer contar, que pode não ter nada a ver com o que aconteceu de verdade.

Contar toda a história

No caso de Homem armado ameaça jovem negro em SP, e policial se recusa a agir por estar 'de folga'; veja vídeo, por exemplo. É uma história que rapidamente conquistou a atenção dos jornalistas e do público, porque um vídeo comprova não somente a omissão de uma policial como também a agressão dela contra um jovem. Aqui, não está em discussão se a policial acertou ou errou. Ao mesmo tempo, faltou, pela ausência de suítes, a ampliação do contexto do vídeo de três minutos.

Uma história contada por sua característica intrigante pode render minutos de audiência, e um aumento de visitantes no site. Porém, sem continuidade, é um tiro no pé. Em 2023, o Digital News Report do Reuters Institute identificou que a confiança dos brasileiros no jornalismo é de 43%, uma diminuição de 19 pontos percentuais desde 2015. Estatisticamente, a tendência de queda pode marcar 41% em 2024. Nesse cenário, todos os recursos de inteligência e de integridade são bem-vindos para melhorar esses números.

As suítes são uma oportunidade para garantir ao público que as escolhas de pauta representam, ainda que contramajoritariamente, o compromisso do veículo com uma história contada do começo ao fim, com todas as nuances. Para isso, a linha editorial como um todo, e mais ainda os repórteres e editores, têm de encarar a atividade investigativa com o desprendimento de contar as coisas como elas são, e não como deveriam ser.

Ridículo e coragem são bem-vindos para ser quem se é
Cartas pessoais
Tempo previsto

Ridículo e coragem são bem-vindos para ser quem se é

Os ares de novidade que uma virada de ano traz parecem com os efeitos de uma renovação de votos. É, digamos, uma oportunidade. A título de analogia, uma cerimonia de bodas por si mesma é impotente para realizar mudanças no casal, no sentido de ampliações de confiança e de reciprocidade, e da consequente felicidade dessas ampliações. Uma cerimônia em si não é nada, mas a concentração da dupla para uma aquisição de consciência melhor é sim. Com o ano novo é muito parecido.

É completamente compreensível desprezar a contagem do tempo pelo calendário comercial, quando o que se intenciona é uma vida livre e frutífera. Uma história pessoal não poderia estar (mas frequentemente está) sujeita à mecânica do trabalho exaustivo: férias, recessos, e feriados. Coisas dessa categoria são muito bem-vindas, é claro, mas correspondem quase sempre à lógica da indústria e do consumo. Daí entra aquele provérbio: “quanto mais você tem, menos você é”.

Nesses contextos, comprar uma roupa nova para o réveillon pode ser uma atitude ambivalente. Em uma mão está a obrigação da compra, da competição que se estabelece com os outros convidados da festa. Na outra está uma legítima disposição para o autocuidado, e para que a parte externa corresponda à novidade do eu mais íntimo.

Para mudar de ano dentro de si é requerido um certo ridículo. Isto é, cruzar a linha do ridículo. Em vez de uma fantasia, vestir-se com o que realmente corresponde ao que se é. Não é fantasiar-se de ser, é ser em essência. Algo interessante é o fato de que aquilo que se deseja ser no futuro somente pode ser verdade se o for agora mesmo. Essa é uma ideia muito básica da filosofia. É também verdade que se algo deixou de ser é porque jamais o foi.

O que chamei de ridículo anteriormente poderia ser também chamado de coragem. Calçar os próprios sapatos, abrir o peito: pensar, falar, agir, e festejar a partir do que se é verdadeiramente, que sempre o foi, e será para sempre. Mas a coragem está menos no aspecto comportamental, que até mesmo um ator canastrão poderia interpretar com toda covardia, e muito mais em uma permissão para que o espírito individual comunique ao mundo o que veio fazer.

Ilusão e mentira são origem de nossa apatia com o genocídio
Opinião
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Ilusão e mentira são origem de nossa apatia com o genocídio

Ilusão e mentira são origem de nossa apatia com o genocídio

Este artigo não é exatamente esperançoso, se lido às pressas. Ele tende a fazer mais sentido quando, pela conversa difícil, conquistamos alguma liberdade para pensar e agir sobre as guerras sem a interferência dos exércitos. Afinal, não há nada que os que promovem a guerra possam fazer pela paz.

Lembro de minhas primeiras aulas sobre Segunda Guerra. Bem, como esquecê-las. À época, achava nem um pouco atraente saber em que anos ela tinha começado e terminado. Considero que as datas faziam pouco sentido para mim devido minha inexperiência de relacionar eventos. Além do mais, minha pouca idade não diferenciava o que cabe em um, dez, ou cem anos.

Em linhas gerais, e para efeito de prova, a Segunda tinha vindo depois da Primeira. E se chamava mundial porque aqueles que a chamaram assim consideravam que o mundo inteiro se resumia a eles. Conhecimento de Ensino Fundamental que vale para a atualidade.

Abre parênteses. Quem passou pelos anos noventa sabe que, em termos de IML, gente atropelada, esfaqueada, cadáveres em putrefação, a televisão nos abasteceu abundantemente com imagens violentas. Na cidade onde eu cresci, uma mulher afogou os dois filhos em um poço, e depois se jogou também. No programa do almoço, assisti aos corpinhos que boiavam. Outro caso foi o da filha que, com a ajuda da namorada, matou a mãe, e a vó. Sem contar o estupro, assassinato e roubo empreendidos contra uma idosa que morava sozinha na Rua XV.

No fim das contas, os que morriam e os que matavam tinham algum parentesco com alguém próximo. Eram, de todo modo, degenerados, não contavam exatamente como gente. Isso sem contar os casos nacionais, Chacina da Candelária, Daniella Perez, Índio Galdino. Fecha parênteses. Este é meu argumento: fica difícil impressionar uma criança brasileira.

Aqueles homicidas comuns, embora perigosíssimos, tinham praticado seus crimes de sorrate. Foram descobertos, e, depois, televisionados, presos, linchados, ou mortos pela polícia. Mas o que nos contavam sobre os campos de extermínio era totalmente diferente, e muitas vezes mais assustador. Tinha algo de errado em multidões assassinadas à luz do dia.

Jeito que ficou

O que sabemos sobre o genocídio de judeus está marcado em preto e branco em nossas memórias, tanto pelas fotos quanto pela brilhante obra cinematográfica A lista de Schindler (1993) dirigida por Steven Spilberg. Graças às novas tecnologias, parte dessas memórias podem nos tocar ainda mais profundamente. A partir da reunião de recursos digitais, eu mesmo colori uma foto de crianças sobreviventes de Auschwitz tirada por Alexander Vorontsov.

"Um grupo de crianças sobreviventes atrás de uma cerca de arame farpado no campo de concentração nazista de Auschwitz-Birkenau, no sul da Polônia, no dia da libertação do campo pelo Exército Vermelho, em 27 de janeiro de 1945" (Getty Images). Tradução nossa.

É difícil olhar para elas e dizer: “nós desprezamos suas famílias ao máximo, escolhemos quem seria escravizado e quem seria morto e incinerado em nossas quatro câmaras de gás com crematórios”. Porque foi exatamente o que, no papel de humanos, fizemos. Tomar a responsabilidade por aquela desgraça é uma dor para a toda a vida, e não acho que haja qualquer outro jeito de lidar com ela senão carregá-la, com vergonha e arrependimento, até o último dia.

Encarar a inumamidade não é, porém, o mesmo que estagnar para a lamúria. É exatamente o contrário. E, para andarmos o mínimo necessário, temos de nos desfazer de duas ilusões convenientes. A primeira é de que toda responsabilidade pode ser atribuída ao Führer. Sejamos, ainda que isso nos incomode em níveis quase insuportáveis, coerentes. Nenhum homem seria capaz de empreender sem ajuda o Terceiro Reich. Em 1935, o Partido Nazista promulgou as leis de discriminação racial, e o Sr. Bigode não estava sozinho – como se pode comprovar pela filmagem oficial.

"Judeus húngaros a caminho das câmaras de gás. Auschwitz-Birkenau, Polônia, maio de 1944" (Enciclopédia do Holocausto). Colorido por Vinícius Sgarbe.

A outra ilusão clássica é a de que o “mundo” da Segunda Guerra Mundial não impediu o genocídio simplesmente porque não sabia de nada. Ora. Ao pensar melhor, nem acho mais que se trate de uma ilusão – uma vez que nem toda ilusão é necessariamente um equívoco – , mas de uma mentira deslavada. Com a ilusão, conquistamos certo alívio psíquico, que frequentemente se converte em prazer orgulhoso: “eu jamais teria feito algo assim”. Com a mentira, mantivemos a ideia de que temos um poder que, em verdade, não temos.

Mentira

Desde a Guerra do Golfo, mais um ridículo dos anos noventa, conflitos militares internacionais passaram a ser também programas de televisão. Não se trata de uma figura de linguagem. Literalmente, as guerras são simultaneamente programas de televisão. É preciso ter pouca inteligência – às vezes nem essa eu alcanço – para compreender que as imagens que consumimos são realizações de uma pessoa. Alguém segura a câmera, escolhe quando apertar REC, quando parar, em que posição se verá o que ele vê, o que entra ou não no quadro. No caso de uma geração por inteligência artificial, alguém terá de escrever o prompt.

Desse jeito, o produto midiático da guerra integra o arsenal geral da guerra. Quem tem mais ou menos recursos para criar e propagar estórias tem, por consequência, mais ou menos poder bélico. É justo perguntar qual é o alcance de destruição de uma arma dessa estirpe. Desde a constituição espontânea de uma esfera pública, e sua progressiva e irreversível decadência, a opinião pública é utilizada para legitimar ou não as ações do Estado. Se convenço o Brasil de que sou “do bem” e que o outro é “do mal”, então os brasileiros tendem a pressionar seus governantes numa direção específica, cujo produto varia de apoio nas redes sociais digitais a proposições no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Contar a melhor estória, porém, não tem nada a ver com contar a história mais precisa. Esse critério de qualidade está restrito a cidadãos que não se comovem facilmente com os apelos das massas – gente que, em cada círculo social, pode ser contada nos dedos de uma mão.

A caminho dos finalmente. Então, se o mundo soubesse do aniquilamento de humanos na Segunda Guerra teria agido para proteger os judeus. Garanto que com uma mente limpa, e três ou quatro vídeos do apocalipse na Palestina, pode-se garantir com cem por cento de acerto que se trata de uma mentira.

Fraqueza

Nem mesmo os termos adequados para tratar os crimes de guerra na Palestina têm sido usados adequadamente, em diferentes parlamentos do mundo. A colunista do The Washigton Post Jennifer Rubin escreveu que “quanto mais perto se olha, mais Netanyahu se parece com Trump”, no pior sentido. O artigo afirma que “cerca de oitenta por cento dos israelenses culpam o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e seu governo de coalizão pela catástrofe do Hamas, de acordo com uma pesquisa do jornal hebraico Maariv”.

"Pelo menos mil crianças palestinianas foram mortas em Gaza desde que Israel lançou a sua campanha de bombardeamentos na região" (Fars News Agency, 17.out.23). Tradução nossa.

No Brasil, a deputada que nasceu para jumenta e jamais chegará a égua Carla Zambelli publicou a imagem de uma águia estadunidense e israelense sobre um rato palestino. Estou persuadido por mim mesmo a não esperar que esse projeto de pessoa seja capaz de compreender o tamanho da própria bestialidade.

Diante de listas nominais de milhares de civis mortos por Israel, a resposta do “mundo” é tão fraca, lânguida, frouxa. Quem sabe seja o momento desta consciência: somos incapazes de impedir a violência pelo mero conhecimento de que a violência existe. Estou avisando você agora: nas próximas horas, crianças palestinas vão ser brutalmente assassinadas, ou mutiladas, e as que sobreviverem terão visto suas famílias e amigos explodirem. Saber disso não muda absolutamente nada.

Há algumas horas, um menino palestino foi buscar uma bola, quando houve um bombardeio bem atrás dele. As costas de seu sobrinho foram feridas. Mas o sobrinho está melhor que Saleh al Qaraan, que teve a cabeça desfeita na explosão.

Acostumado a encontrar posts com animais no Instagram todos os dias, vi um gatinho malhado pular no colo de palestino, no qual repousava o corpo pálido de uma criança morta. O gatinho se aninhou, e fechou os olhos. Sem contar a mãe que, com o bebê morto embrulhado em pano branco, recusava-se a parar de beijá-lo. Ou ainda os incontáveis vídeos de crianças em ataques de pânico dentro de hospitais.

Na dimensão individual, meu trabalho ou o seu contra a guerra e nada parecem bastante. Não podemos contar, pelo menos não agora, que a prudência dos sábios consiga uma hora na agenda dos líderes do mundo. Mas defender os civis palestinos ou não, agora, em toda e qualquer oportunidade, diz sobre o que aprendemos sobre nossa maldade.

Novas considerações contemporâneas sobre a guerra e a morte
Política
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Novas considerações contemporâneas sobre a guerra e a morte

Novas considerações contemporâneas sobre a guerra e a morte

Nós poderíamos, com sobras de justificativa, passar o resto de nossas miseráveis vidas lamentando profundamente as guerras. Isso sequer pareceria inadequado. Qualquer ser humano que se incomode com assassinatos tem uma grande chance de ser uma pessoa decente, mesmo que seja ranzinza. Eu proponho ainda outra opção: deixar o papel de resignação para aqueles que se aposentaram do trabalho de criar o mundo.

É ingênuo pensar que a criação é uma tarefa concluída. Há quase tudo a ser feito, especialmente no que diz respeito à consolidação da paz entre os povos. Pode ser que este texto contenha mais ou menos elementos do que o necessário para uma sustentação clara. Então, antecipo-me e garanto que estou aberto a discuti-lo. Vou evitar referências e compartilhar apenas o que está vivo em mim.

O linchamento do inocente Jesus é, sem qualquer dúvida, uma prova de amor. É a partir desse ato fundador da paz que a roda da violência tem girado no vazio há dois milênios. Se havia, em nós, humanos, a necessidade de dilacerar um corpo para a execução de um rito de passagem, esse desejo foi realizado. Se a civilização ocidental está fundamentada nesse ato, e está, então podemos progredir para a consciência decorrente desse ato: “o que fizemos?”.

Tenho pouca ou nenhuma vontade, na verdade, nenhuma, de submeter minha razão às interpretações religiosas dos textos religiosos. Na minha concepção de Deus, sequer está na índole dele promover coisas pequenas ou privilegiar pequenos grupos. Com isso, espero ter explicitado minha conclusão de que, independentemente da vertente religiosa, se o sacrifício humano de Cristo está presente, então não podemos — sob nenhuma emenda — compactuar com o assassinato. É, aqui, uma questão mais sociológica e histórica que mística.

Abraão e seus dois filhos. Gerado por IA.

A cisão abraâmica entre judeus e islâmicos é também uma questão sociológica e histórica, embora não somente isso. Pai Abraão, o que foi que o senhor fez? Delegar completamente essa questão civilizatória aos domínios da religião é o mesmo que abdicar do progresso civilizatório como um todo. Cem por cento dos pontos de vista sobre a guerra fundamentados no transcendente individual são inválidos para uma solução de paz.

Para nós, cristãos, fumar o cachimbo deixou nossa boca torta. Foram tantos sermões e músicas com o nome Israel destinado a ocupar um certo tipo de origem de nossa fé que agora, quando um país com o mesmo nome está no centro de uma disputa geopolítica, somos tentados a solucionar a interpretação com base em promessas de nossa religião.

Se a Bíblia tem qualquer validade para católicos e protestantes, em especial, e tem, recomendo uma leitura atenta do livro de Hebreus — meu favorito tanto pela literatura de excelente qualidade quanto pela contribuição à fé. Basicamente, o texto trata do sistema humano de contenção da violência que fracassou miseravelmente e apresenta uma perspectiva de elevação espiritual pela qual todo sistema religioso se desfaz a partir de um sacrifício final. É quando o deus étnico, regional, dos israelenses do Velho Testamento coloca em prática seu plano universal. Com o deus étnico morrem também os métodos ineficazes de solucionar o sofrimento humano, substituídos pelo amor.

Essa questão deve ser observada quando se trata da constituição de uma interpretação brasileira para a guerra no Oriente Médio. A influência de nossas crenças religiosas sobre a esfera pública política ficou ainda mais notável nas duas últimas eleições presidenciais. Se quisermos avançar minimamente na pauta da paz, devemos ser hábeis para redirecionar nossas emoções individuais para compartimentos mais adequados. Nesse passo, aquilo que é da experiência inegável e transcendental deve ser submetido a uma prova de relevância: minha perspectiva acarreta assassinatos? Se sim, tal perspectiva deve ser acolhida, respeitada interiormente, mas desconsiderada para sustentação racional e pública. Não se dialoga com o assassinato. “Matarás?”. “Não matarás”. Assunto encerrado.

A culpa decorrente do assassinato, problema que tentamos solucionar pela submissão ao plano divino da graça e outros recursos civilizacionais, pode ser inexistente dependendo do contexto em que a morte ocorre. Nas guerras, o homicida está integrado a uma formação artificial de massa, ou seja, o exército. Nessa adesão ao exército, o indivíduo renuncia ao seu padrão moral individual, que é substituído pela moral do grupo. Nesse caso, ele poderá matar à vontade, sem que se pergunte por que diabos está fazendo aquilo. As massas são formações perigosas, e suas vantagens, como o folclore, são as mesmas que nada na comparação com seus danos.

Estamos impregnados de violência há pelo menos trinta e nove anos, desde que cheguei ao mundo. Para não perder a sensibilidade, comecei a contabilizar a morte pelo sistema métrico internacional. Em minhas contas, tivemos que enterrar cerca de noventa e oito toneladas de carne humana fornecida pelo Hamas ao mundo. Competitivo, Israel foi ainda mais generoso em seu banquete, servindo-nos 450 toneladas de cadáveres — muitos ainda insepultos. Soluções completas para o futuro da humanidade, que estavam nessas pessoas, foram reduzidas à depressão alastrante, quando o cérebro apaga a luz.

Vendedor no deserto. Gerado por IA.

As pedras do Passeio Público sabem que a origem nacionalista e religiosa da guerra rapidamente se transformou em um grande negócio. Agora, valem as regras do mercado. Jamais se tratou de uma Nações Unidas enfraquecida. É a habilidade de negociação dos povos que está enfraquecida, de modo que a diplomacia nos serve de índice. O patético veto dos Estados Unidos à Resolução do Brasil que previa ajuda humanitária, seguido pelo patético oferecimento de uma nova Resolução pelos mesmos Estados Unidos, levou ao veto da Rússia e da China. O embaixador israelense pediu a renúncia do secretário-geral da organização. Temos Estados Unidos e Israel conversando apenas entre eles, enquanto o resto do mundo espera atônito.

A constituição básica de uma esfera pública se dá por pessoas privadas que discutem com base em razões. A rebeldia não é uma razão. A submissão não é uma razão. A intuição não é uma razão. O impulso não é uma razão. É cedo para estimar uma data, mas não para afirmar que, diante de uma derrota tão humilhante, a diplomacia mundial terá que evoluir suas práticas comunicacionais e deliberativas. Teremos que elevar nomes acima de nós que traduzam nossa confiança na resolução de problemas — líderes inteligentes, éticos e, sobretudo, criativos em suas proposições.

Israel tem o direito de se defender? Não, tem o dever. O Hamas é um docinho de coco? Não parece diferente de uma milícia carioca, exceto pelo planejamento, pelas armas melhores e por uma mágoa ancestral. São instituições equivalentes? No que diz respeito à constituição formal, não. Mas no caráter decrépito de assassinar, seus resultados não são diferentes, exceto pela quantidade jorrada de sangue.

A história registra que os judeus foram objeto de ódio irresponsável perpetrado por inúmeras instituições. Esse ódio se manifestou de diferentes maneiras. Embora tenha atingido seu ápice no Holocausto, desenvolveu-se de maneiras mais sofisticadas — por que não dizer civilizadas — sem perder sua característica de ódio. A criação de um estado para esse povo, longe de ser um mero beneplácito da comunidade internacional, não esconde o verdadeiro propósito dos países de manterem os judeus afastados de seus territórios.

Mulheres em Auschwitz. Polônia, 1945.

Sob a perspectiva da filosofia contemporânea, o que se compreende como luta por reconhecimento termina, de maneira lamentável, no judeu. Os extermínios dirigidos a pretos, estrangeiros desinibidos e toda sorte de gente não submetida, simbolicamente, se destinariam ao judeu. Essa interpretação é compartilhada por autores que chegaram a ela de maneira independente. O judeu da Bíblia, do Holocausto e da comédia, porém, não é a autoridade israelense contemporânea. Tal autoridade não é uma unanimidade nem mesmo entre os próprios israelenses, quanto mais na comunidade internacional. Além disso, o israelense nascido no Israel de hoje sequer é necessariamente judeu.

Se temos a liberdade de questionar o conteúdo histórico do Pentateuco e de outros compêndios judeus, e temos, podemos chegar rapidamente à constatação de que suas abordagens favorecem de forma desproporcional um povo messiânico que se autodenomina escolhido por Deus para governar sobre seus irmãos. Em linhas gerais e específicas, um judeu fundamentalista, à semelhança do fundamentalista islâmico, acredita ter licença para fazer o que quiser, pois Deus não somente o autoriza, como o ordena. Toda a obra salvífica que se consolida, para os cristãos, na morte de Cristo não tem nenhuma validade para esses fundamentalistas, então, para eles, a roda da violência gira em seu umbigo especial. Se não devemos constranger a crença religiosa do outro, e não devemos, mas essa crença transgride o código civilizatório, então poderíamos contar com a adesão do outro à discussão do código civilizatório, pelo menos.

O governo atual de Israel tem a aparência de um estado: tem um primeiro-ministro, eleições, mas suas ações demonstram que não se trata de um estado democrático suficientemente desenvolvido em relação às suas interações com o mundo. Isso se manifesta em uma recusa ao diálogo. É necessário observar os aspectos emocionais da relação entre Israel e o mundo. Ainda que as motivações intrinsecamente ligadas ao deus étnico e à prática de conquista de territórios ordenada por tal deus tenham sido superadas, restam os vestígios emocionais dessas experiências. É compreensível, embora lamentável, que o Israel atual esteja conectado à beligerância de seu passado histórico.

Quanto à Palestina, ela é o novo judeu — considerando a filosofia do reconhecimento mencionada anteriormente. Levada às últimas consequências, a ideia de que o abusado tem um enorme potencial para se tornar um abusador poderia se aplicar a um grupo, ou mesmo a um comportamento de massa. Daqui a dez anos, quando eu lembrar desta guerra, a menos que algo ainda pior me surpreenda, em minha mente haverá a imagem de uma mãe palestina que, aos gritos, reclamava que seus filhos estavam com fome quando foram assassinados. O povo palestino é subalternizado de muitas maneiras e por muitos interesses. As informações sobre esse povo, apresentadas neste artigo, estão disponíveis como anexo no canal do YouTube Outras Terras Filmes (http://outrasterras.com.br).

Fracos contra fim do mundo, poderosos fazem comércio de almas
Opinião
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Fracos contra a guerra, poderosos fazem comércio de almas

Fracos contra fim do mundo, poderosos fazem comércio de almas

Um tempo atrás, procurei pela Palestina no Google Maps, e a encontrei no meio do oceano. À época, concluí que o mundo tinha terminado, pelo menos um projeto de mundo, ao encontrar um povo que tanto me ama e é amado por mim afogado no ódio em que alguém em algum lugar o afogou.

Hoje, depois do assassinato de centenas (o número é impreciso, mas impressionante) de palestinos que estavam em um hospital, eu me dei conta de que o mundo terminou para eles, que o apocalipse, o fim dos tempos, chegou para aqueles humanos. Viram a vergonha, a fome, e morreram.

Imagine comigo. De repente, uma autoridade estrangeira ordena que você saia da sua casa. Ao fugir sem carregar nada, sua jornada é de sede e fome. Depois, veem-se escombros, poeira, amigos e família estirados no chão, uns decepados, outros sem sepultura. Então você também morre.

Se isso, que é verdadeiro, não torna também verdadeiro que chegamos ao fim do mundo, então o que viria a ser o fim do mundo? Desastres naturais, por piores que sejam, pelo menos são honrosos. Ninguém poderá culpar o vulcão. Genocídio com apoio de grupos religiosos é fim do mundo.

A postura da comunidade internacional é insuficiente. A humanidade está demasiadamente paralisada na reação às guerras, os poderosos não são verdadeiramente poderosos. Não passam de homens do mercado! E de um mercado de almas, descrito lá no Apocalipse de João.

Analistas vendem transformações, enquanto impostores lucram com ilusões
Prática profissional
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Analistas vendem transformações, impostores ilusões

Analistas vendem transformações, enquanto impostores lucram com ilusões

O convite para uma transformação pode ter inúmeras motivações. Em termos empresariais, por exemplo, pode partir da necessidade dos fundadores ou gestores de, ao criar um ambiente propenso à felicidade, aumentar a produtividade e, por consequência, os lucros. Em iniciativas governamentais, impulsionar os servidores e parceiros, pela percepção deles de segurança e reconhecimento, é um jeito de ampliar a criatividade, e de fazer os projetos andarem ainda mais rápido. Essas são motivações legítimas. Mas esses planos tendem a fracassar miseravelmente, apesar das excelentes intenções, se o emissor do convite não der provas de que se submeteu às mesmas transformações que propõe, e que essas o aproximaram de uma vida boa.

O termo “vida boa” pode ser observado a partir de muitos pontos de vista, da sabedoria ao teórico. Ele pode ser explorado pelas perspectivas da filosofia, democracia, teoria crítica (Habermas está frequentemente associado a tal pesquisa), mas nos importa sua versão acessível e carregada de humanidade: uma vida que encontrou um caminho suficientemente bom para diminuir o sofrimento. Uma vida que sofre menos é uma vida boa.

A maturidade, que evidentemente pouco tem a ver com a idade, pede sempre mais coerência. A coerência poupa energia, poupa tempo. O universo, coerente, usa seu poder para criar luzes, estrelas pequenas e distantes. A natureza, coerente, não pensa duas vezes antes de derramar o mar sobre o continente, quando isso deve fazer. Não se dialoga com o ciclone, com a erupção. Quem foi capaz de marcar uma reunião com as profundezas do subsolo e cancelar um terremoto? O aparente caos do ambiente é, a bem da verdade, a coerência da vida.

Nós, uma humanidade frágil diante da natureza e dos sofrimentos causados pelos outros, aprendemos, então, que a coerência é uma aliada da vida. É coerente, para o indivíduo que acredita sobre si mesmo que é menor que os outros, que emita sinais que organizem a consumação de suas percepções. É coerente que quem acredita, erroneamente, claro, que é maior ou melhor que os outros construa cenários que provem a ele que tem razão. Moral da história é: toda e qualquer vida humana, sábia até as últimas consequências, organiza o mundo para continuar viva. Se o único jeito de viver que aprendeu foi submetido, humilhado, mendigo de afetos, é coerente continuar assim, justamente para continuar vivo.

A defesa civil, entretanto, envia SMS quando os riscos de temporais são perigosos. Receber um convite para uma transformação é como um alerta da defesa civil. É um alerta de que as crenças e comportamentos estão prestes a causar mais um dano. Se é possível impedi-lo? Pela coerência: muito provavelmente não. Mas é possível criar planos de emergência, planos de futuro. É possível desocupar áreas perigosas da alma, mudar para paisagens mais altas, sóbrias, e refrescantes.

Quanto a mim (nos próximos parágrafos, decido não usar a tradicional primeira pessoa do plural freudiana), não ouso, não mais, convidar qualquer irmão (como chamo outros humanos) a algo que possa atrasar ou interromper o caminho dele.

Muito antes de acreditar em melhoras na qualidade da análise, da pesquisa, da técnica, tenho devoção pela liberdade humana. Ela pode ir para onde quiser, e terá, sempre que eu tiver condições, e for apropriado, minha companhia.

Se eu tivesse uma verdade universal, eu a apresentaria e, sem qualquer necessidade de convencimento, seria amplamente aceita. Jamais é o caso, porque o que compreendo por verdade pode não fazer o menor sentido para meu irmão. Mas tenho uma verdade ou outra não universal que às vezes é boazinha.

O certo é que costumo confessar a meus críticos intelectuais e políticos que estou em busca de um mapa de coerência. E não vejo a hora de mudar de ideia no que se pode mudar de ideia! De todo modo, realizei a façanha de ser relevante para mim mesmo, o que é muita coisa. Isso me poupa de de cair na lábia dos impostores.

Com isso, espero ter deixado claro que não posso, nem hoje e nem no futuro, prometer que tenho a revelação de um segredo, um jeito infalível, um milagre que pode render gargalhadas e dinheiro. Deixo essas promessas para quem tem experiência com elas: os que iludem e os que são iludidos (quase sempre pagam, em dinheiro, por isso). Isso não me desqualifica como vendedor, entretanto. Sob condições éticas, no papel de teleatendente, fui o melhor em vender débito automático na Tim Sul S/A, em algum mês de 2004, um ano antes de começar minha vida profissional no jornalismo.

Quando você me contratar, vai me remunerar pelo que posso fazer pela transformação que procura para si mesmo e para seus negócios. E será sempre muito mais caro do que os que iludem. Se a coerência é um diferencial de vida, que dirá de mercado.

Sou um pouco mais livre, e um pouco mais feliz, hoje do que fui ontem. Minha observação realista (embora eu seja um pessimista sereno) da vida é um suspiro desiludido. Quando, aos 15 anos, sofri amargamente o término de um namoro que tinha sido a melhor coisa de toda minha vida, e que jamais se repetiria, porque aquela era a minha única oportunidade de felicidade, e naquele momento só me restava viver em luto até minha morte solitária, um amigo que poderia ser meu bisavô me disse: “Vine, sabe qual é a vantagem de estar desiludido? É não estar iludido”.

No começo, deixar de acreditar em promessas deixa a gente incomodado. Depois, vai se tornando um estilo de vida tão sincero, tão honesto, tão coerente. Deixei de exigir dos outros que sejam o que eu espero deles. E não estou nem aí quando me exigem ser o que não sou. Entra por um ouvido e sair pelo outro. Ainda sofro, mas em uma vida boa, que sofre menos. No fim das contas, quem diria, eu sou um homem feliz, na medida do possível.

Intuição bem treinada refina análise a preço emocional

Intuição bem treinada refina análise a preço emocional

Em Análise Transacional (AT), a "pulga atrás da orelha" é chamada de Estado do Ego Pequeno Professor. Uma tradução contemporânea poderia ser "Professorzinho". Essa versão soa coerente com o propósito de Eric Berne de fazer com que a AT seja compreendida por crianças.

Quando o Professorzinho está cheio de catexia, de energia psíquica, passamos a saber sobre algo que não está explícito. Diante do fato psíquico, podemos dizer: "Acho que você precisa de um abraço." E o outro responde: "Nossa, eu esperava por isso há muitos dias".

Como se trata da mente humana, há um sem número de elementos que concorrem para uma análise. Quero deixar claro que a mera existência de um dispositivo de leitura subjetiva, desse Estado do Ego, não é garantia de que a avaliação da circunstância seja a adequada, ou sequer real.

Tenho repetido uma frase arrogante de um jornalista de política que é: "É muito bom dar opinião, mas estar certo é melhor ainda." Quando o escrúpulo mínimo da condição humana existe e é ouvido pelo menos às vezes, a capacidade, digamos, profética, fica enriquecida. Tem um preço.

"O desconforto é visitante assíduo", explica minha supervisora em AT, Maku de Almeida. Conforme a qualidade das observações cresce e se descobre que o Professorzinho tinha razão desde o começo, é doloroso admitir que pessoas tão amadas ainda vivam miseravelmente.

'Que Natal mais lazarento, Pedro!', e histórias de São José
Cartas pessoais
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'Que Natal mais lazarento, Pedro!', e histórias de São José

Compadre Pedro é o nome composto do saudoso vizinho Pedro Zotto. Ele e meu avô Jorge Camargo, por sua vez Compadre Jorge, ergueram suas casas em uma área desurbanizada de São José dos Pinhais, a partir dos anos 1950. Foram tão amigos que, além das casas em esquinas do mesmo cruzamento da Avenida das Torres, compraram mausoléus lado a lado para a aposentadoria. Compadre Pedro mudou-se para o último endereço há alguns anos.

Enquanto os maridos se davam muito bem, as esposas travaram guerra permanente. Embora comadres, não perderam nenhuma única oportunidade de causar as mais divertidas confusões. "Vizinhas Muito Loucas", na sua Sessão da Tarde. Eram brigas tão banais que sempre tivemos a impressão de que acima de tudo ficava o cômico. Comadre Ida também mudou-se para o último endereço.

Ambas as famílias passaram pelas dificuldades características daquelas que são pobres e têm qualquer dignidade. Foram saqueadas, principalmente, por ideias religiosas, por ilusões terríveis. Tentaram, por uma vida, resolver as coisas com feitiços. Velas, correntes de oração, junto a bastante intolerância religiosa. Quem jamais se deixou afetar por essas bobagens foram os compadres. E as então crianças.

Uma das brincadeiras daquelas crianças que eu adoraria ter filmado era o casamento. Havia noivos, mãe e pai dos noivos, padrinhos e, claro, o padre. Juarez pegava escondido o vestido preto da Comadre Ida para fazer de batina. Também realizavam cultos de exorcismo. Certa feita, o pai de uma criança do bairro viu que o filho interpretava um endemoniado e soltou a cinta em cima do menino. Sem contar a “macumba para morrer”, que juntava pedras e um pouco de mato. A liberdade infantil muito rapidamente se converteu em imposição cultural, e as brincadeiras acabaram.

Contam os mortos, não poucos, que em mim deixam saudade e também raiva. Uma das minhas neuroses é culpar os mortos por suas mortes, não os perdoo por terem me deixado sem eles.

No último Natal, a bisneta de Compadre Pedro esteve no colo do Compadre Jorge. Íntegro feito um carvalho de tronco grosso, Jorge chorou duas vezes ao ver a antiga casa dos Zotto demolida. E outra vez chorou quando segurou a bisneta que também é dele.

Há cerca de trinta anos, quando a festa de Natal era a mesma para aquelas famílias do coração, e a degenerescência da vida estava em pleno vapor, um parente de Compadre Pedro disse a ele a frase que se repete várias vezes ao ano até hoje:

—Que Natal mais lazarento, Pedro!

Natalia Pasternak é a Mara Maravilha da psicanálise

Natalia Pasternak é a Mara Maravilha da psicanálise

Natalia Pasternak era uma mulher ruiva que falava de coronavírus, pelo que me lembro da época da pandemia. Nos anos que em que esteve no ar, faltou-lhe o cuidado de adquirir uma câmera e um microfone adequados. Foi uma fonte do jornalismo amoldada em personagem de televisão, o que é regra geral das relações estendidas com a TV (Drauzio Varella, o médico benevolente; Caco Barcellos, o jornalista infalível; Gil do Vigor, o ex-BBB-economista estrambólico).

Não acho que aquela senhora tenha percebido que estava sendo usada no papel de professora megera (que parece desempenhar muito bem). Ela foi útil enquanto concedeu selos imaculados de “ciência” a qualquer coisa contrária a Bolsonaro (embora toda ajuda contra a ignorância daquele presidente fosse muito bem-vinda, de qualquer modo).

Não é preciso ser um gênio da infectologia para afirmar que vermífugo não é muito bom contra vírus. Além disso, não se tratava de uma discussão intelectual ou técnica, mas do enfrentamento de uma crise sanitária simultaneamente biológica e psíquica. Os enquadramentos jornalísticos, é compreensível, porque todos fomos pegos de surpresa, foram quase o tempo todo uma doença a parte.

De todo modo, desafio alguém a me apresentar um convertido às ideias de Natalia (é uma figura de expressão, não perca tempo com isso). Existe quem tenha, pelo intermédio do oráculo (hm) da ciência (hm, 2) que falava no Jornal Nacional, deixado de tomar cloroquina, ou tido a dignidade de parar de defecar tratamento precoce pela boca?

Quando a ciência é colocada no papel de deus, cuja perfeição é atributo inseparável, ela tão somente muda a linguagem de uma vivência religiosa, e, fatalmente, vira uma religião e nega a si mesma. Espera-se que a ciência seja capaz de aprimorar as Leis de Newton em Teoria da Relatividade (nesse caso da física, trata-se de uma mudança substancial).

Diante da impossibilidade de criticar a “ciência” que nos obrigou às máscaras e ao distanciamento social (não ouso defender que estava certo ou errado), sem duvidar dela, a libertação pela racionalidade é diminuída a mais uma seita.

Tenho comigo o orgulho de ter sido humilhado publicamente quando contestei a “ciência” megera da pandemia. Sofri, pode rir comigo, uma transfiguração involuntária. Apareci diante de meus ouvintes de bigodinho quadrado e uniforme da Hugo Boss. Mas isso jamais houve, nem na pandemia, nem antes, nem jamais haverá, na companhia de verdadeiras pessoas da razão. Na companhia dessas pessoas sou incentivado a duvidar de minha sombra (que anda um pouco estranha nos últimos dias, por falar nisso).

Natalia deu o passo maior que perna quando pregou em seu púlpito (o último livro dela) que a psicanálise não é ciência. Não que seja, de qualquer modo. E menos ainda que a psicanálise faça qualquer questão disso. Exceto em programas muito específicos como os encontrados na Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), fica difícil imaginar a comunidade “científica”, uma Natalia da vida, dando-se ao trabalho de revisar a própria existência enquanto aplica psicanálise a um objeto de pesquisa (porque esse é um custo individual em uma pesquisa em filosofia da psicanálise).

O Brasil tem uma pesquisa em psicanálise observada internacionalmente. O país compartilha alguns fundamentos com os franceses. Faz cem anos que a tradição inglesa nega a condição de ciência à psicanálise. Essa tradição está tão inconformada que não parece haver qualquer intenção de parar de pesquisar – veja que ironia – cientificamente o que tem de ciência na psicanálise. Enquanto isso, a tradição alemã é corrigir o que considera insuficiências da psicanálise. Mas assim. Ou não aconteceu ou não está registrado um comportamento de megera.

O que se tem a escrever contra o preconceito esfomeado de Natalia está na última publicação do professor titular em Psicanálise e Psicopatologia da USP, Christian Dunker. É a última fofoca do mundo-científico-do-coronavírus. Esse grupo está para a ciência tanto quanto a cobertura da Lava Jato está para o jornalismo.

Natalia Pasternak é a Mara Maravilha da psicanálise.

Corte 'terrivelmente brasileira' dá fôlego à conversa política
Opinião
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Corte 'terrivelmente brasileira' dá fôlego à conversa política

Quando ouvi, sob o governo do casal evangélico Bolsonaro e Michelle, sobre um ministro do Supremo Tribunal Federal “terrivelmente evangélico”, senti vergonha e medo. A vergonha se referia à prática religiosa utilitarista, pela qual grandes e pequenas teologias importantes são convertidas na abertura de mais uma sede única da última igreja mundial do bairro, ou em partido político.

Um dos resultados preliminares de minha última pesquisa em filosofia é de que os pentecostais brasileiros obtiveram "autorização" para participar do palco público, em sua forma “bancada da bíblia”, com a condição de que efetivamente não se integrem à cultura política senão no papel de base eleitoral.

Tal resultado se baseia no fato de que desde a Constituinte os discursos e textos patrocinados com o dinheiro do contribuinte brasileiro são utilizados para a promoção de pautas pouco ou nada expressivas, como a obstinação relacionada à liberdade sexual, e a pungente questão do fim do mundo.

O acordo com o poder político vigente é de que se pode pregar qualquer coisa no púlpito, a qualquer preço (seja verdadeiro ou mentiroso, realidade objetiva ou fantasia infantil, tanto faz), contanto que essa pregação favoreça a obtenção de votos.

Em 2023, muito tristemente, não se espera dos pentecostais com mandato ou empregados em gabinetes dessa estirpe que contribuam — no amplo, no geral — com a promoção de políticas públicas, e com a manutenção do diálogo. Menos ainda que nos surpreendam com qualquer exame de consciência que os faça refletir sobre o que fazem com o papel querido que a eles atribuímos. É impressionante que tenhamos tanto carinho pelos pentecostais enquanto nos desdenham.

Já o medo que senti era de que o “terrivelmente evangélico”, frase pela qual se explicitava uma postura arrogante e provocativa, viesse a piorar a qualidade do diálogo entre brasileiros, que naquela altura estava em níveis baixíssimos. Enquanto a vergonha tinha a ver com minha postura intelectual e pacifista (algo mais individual), o medo estava projetado no que se vive em termos de país. Como é esperado que o pior medo nos sobrevenha, as pontes comunicacionais entre os que ainda acreditam na vida em comunidade e os pentecostais estão escangalhadas.

Será preciso que os pentecostais, marcados por serem submetidos ao aprisionamento cultural, à escravidão da ignorância, e, por essas e outras razões, também submetidos a uma porção impressionante de violências de muitos tipos, deem um sinal de que estão dispostos a colaborar com um futuro equilibrado. Da nossa (minha) parte, a paciência se esgotou. Aliás, a paciência dos evangélicos com seus líderes se esgotou.

Enquanto isso, em termos de indicações, é importante lembrar das consequências daquele “terrivelmente evangélico”. Mais um ministro do STF foi nomeado por um presidente “satanizado” por fundamentalistas. É a nona indicação de Lula. Com as indicações e Dilma e Temer, são mais cinco. Isto é, há um colegiado terrivelmente brasileiro. Sem contar o ministro que está para chegar.

Democracia requer que eleitor esteja suscetível à tristeza do social
Opinião
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Democracia requer que eleitor esteja suscetível à tristeza do social

A palavra democracia aparece dia-sim-dia-sim no noticiário, e frequentemente vem junto ao dado de realidade de que se trata de algo problemático. Estamos de acordo com a visibilidade do assunto, bem como com o reforço de que “é o melhor modelo dentre todos os modelos políticos que, incluindo a democracia, são ruins”.

Quando pesquisamos sobre comunicação política no Brasil, estamos atentos à necessidade de criação de oportunidades para que os eleitores integrem o debate público, e que o topo dessa integração é o voto depositado na urna. Para que isso seja possível, é preciso, primeiro, que o Legislativo garanta um grau mínimo de confiança no processo democrático.

Mas investimento em dinheiro também é necessário. Isto é, a veiculação de campanhas estatais – desde as propagandas partidárias até os anúncios dos tribunais eleitorais – requerem pesquisa de ponta, produção midiática capaz de sensibilizar os brasileiros, e tudo isso custa uma boa grana. Mas os resultados aparecem. A taxa de abstenção no segundo turno da eleição para presidente de 2022 foi de 20,95%, o menor número em 16 anos.

Uma razão para não

Na psicanálise de Sigmund Freud, podemos encontrar uma razão aprofundada para o desinteresse pela política. Em O mal-estar na cultura (1930), o psicanalista de Viena escreve sobre os métodos pelos quais os seres humanos procuram evitar o sofrimento. Um deles é justamente abdicar das relações sociais. Essa decisão, porém, reduz drasticamente a quantidade de satisfação possível do indivíduo.

Em outras palavras, negar que o outro exista oferta, sim, algum grau de segurança contra a dor, ao mesmo tempo que os prazeres trazidos pelo outro, somente acessíveis quando reconhecemos que o outro é importante, ficam limitados.

A natureza é um risco para a vida humana – o aquecimento do planeta e a iminência do desaparecimento de algumas ilhas em Tonga dão prova disso. A ciência pode ajudar, nesse sentido. Nossos corpos, destinados à degeneração, também são causa de dificuldades. A ciência pode ajudar, nesse sentido. Mas nenhum desses sofrimentos, segundo Freud, é maior do que o causado por nosso contato com outras pessoas.

Ocorre que a prática da democracia exige o outro, requer deliberação. A ciência pode ajudar, nesse sentido.